quarta-feira, 7 de abril de 2010

Seropédica - Central do Brasil.

O fato do ser humano se tornar tão pateticamente impotente em determinadas situações, incomoda.Alguma problemática pequena como um engarrafamento, por exemplo, pode desenvolver uma situação de dependência consigo mesmo, que o próprio infeliz é incapaz de imaginar, e isso é realmente, extremamente, congestionativamente insuportável.Veremos

Dois indivíduos entram juntos em um ônibus, o Rio pára por causa da chuva torrencial que cai lá fora regurgitando bueiros e vergonhas, derrubando as máscaras das figuras públicas embaraçadas, e começam a conversar diante do eminente desespero de ficar cinco horas parado no mesmo lugar.

-Vai saltar aqui mesmo e ir andando?

-Não,pra mim é melhor saltar ali, pra pegar um ônibus na Vila da Penha e ir pra casa. E você?

E ele?Nem ele sabia o que dizer.Saltaria num ponto próximo a final e provavelmente seus pés esfolados e o suor lhe queimando o rosto iriam denunciá-lo quando chegasse em casa, sangrando pelo nariz e mancando de uma perna, com um leve odor de urina na roupa e com os olhos inchados de tanto chorar.

Mas se nada disso fosse o bastante para aqueles que o querem mal, ainda deveria estar levemente(apenas levemente, desconsiderem o teor irônico) ensopado do dilúvio que teve que atravessar a pé, enfim, depois de perder a paciência e sair do ônibus o mais longe possível de casa e ir andando.Dá pra acreditar nisso?

-Ah, eu vou ficar até quando der, a rodoviária deve aparecer no horizonte hora ou outra dessa,não é?

Ela não quis responder na hora.Sentia que acabar com as esperanças dele de rodoviária,unicórnios,e um mundo mágico onde o trânsito é ótimo e as ruas do Rio escoam água pra variar , seria o mesmo que dar-lhe um soco e cuspir em sua cara e ainda acusá-lo de ladrão dentro do ônibus lotado.

-Acho que sim,vai ficando.Eu vou descer aqui e quando chegar em casa te ligo com certeza!

Era triste amargar sozinho um engarrafamento desses de parar o transito,sabe?tinha que ser forte o bastante pra conseguir controlar sua própria bexiga e estômago, ambos reclamando de estar longe de casa,sem saber o que fazer, começou a imaginar mil coisas, nenhuma mais fantasiosa do que aquele papo da rodoviária estar chegando perto ou nada assim.Que situação ridícula,realmente estava ficando sem opções.

O quanto ainda conseguia aguentar?A boca seca, os lábios ressecados, a barriga roncava,ronronava,tremia de fome com ele e os pés falseavam,eu mencionei o enjoo de ônibus?vomitou duas vezes desde que tinha entrado,mudou de lugar,óbvio, mas outras pessoas o substituíam,insatisfeitas!Ele devia saber que ninguém gosta de pisar em vômito mesmo,estranho,não?

Enfim,o desespero começou a tomar conta do nosso astro principal desse poema épico e ele começou também a entrar em parafuso.Abria e fechava as janelas psicoticamente e berrava pros outros ônibus.40,50,60,90 minutos parado no mesmo lugar! E ele lá,coitado,ia fazer o quê?ir andando nem que fosse maratonista, ou no caso específico daquele dia nadador profissional,metrô às 22h no meio da Av.Brasil era difícil de achar e pegar outro ônibus...você deve estar brincando.As opções se esvaiam e ele também,cansado, com náuseas e dores gerais ele começava a murmurar coisas sem sentido, que nem um dos nossos queridos mendigos da Central do Brasil.O idiota pensou em liberar suas necessidades fisiológicas pra fora da janela,e quando não deu mais pra segurar acabou usando a mochila mesmo e jogando-a pra fora da janela acertou uma velhinha ilhada saindo de um corsa 96 que não agüentou nem um pouco aquela chuva forte,se bem que aquele carro, pelo que eu pude ver, não agüentava nem arminha de brinquedo no motor mesmo.

E depois?ah , sei lá, eu entrei em uma de descer do ônibus pra ir andando ou pegar carona em canoa de bambu até a Penha HAHA!eu talvez seja mais idiota que o garoto que mijou na mochila,acertou uma velha,vomitou um mar no ônibus e teve um monte de ataques de pelanca enlouquecidos.Só posso imaginar o que aconteceu,mas acho que deve ter chegado em casa..ou não.Talvez ele fosse fechar os olhos e quando abrisse de novo ia estar acordando em casa atrasado pra faculdade ou qualquer coisa assim,porque eu ainda to esperando aqui a merda do ônibus pra Tomas Coelho e a chuva não dá uma trégua.

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Estudante de História e pseudo-escritor semi profissional em ascensão.Quando escrevo,expulso meus maiores medos,um deles é parar de escrever.